segunda-feira, 11 de julho de 2011

PARA INICIAR AS DISCUSSÕES





Para iniciar as discussões, propomos uma reflexão sobre universais que determinam a linguagem do Teatro de Animação, sob o ponto de vista da recepção. Podemos pensar nesses universais como os elementos balizadores de uma poética.
A animação, em última instância, centra-se na competência do espectador em desenvolver percepções, decodificar signos e projetar uma realidade mítica ao acontecimento observado. É no ato de re-criar o fato observado, que o espectador lança mão de sua subjetividade carregada de uma anterioridade representativa de mundo. Para desenvolver ficticiamente as explicações que a mente imaginativa do espectador produz, este descola as verdadeiras causas da ocorrência do fato das conseqüências que este produz. Por exemplo, no boneco de luva, a causa do movimento de caminhada do boneco é o movimento qualificado da mão do manipulador. No entanto, na leitura do público, essa caminhada é provocada pelo passo do boneco. Nesse processo, verificamos a leitura metonímica da parte faltante ao corpo do boneco, uma vez que a luva não possui ‘pés’ para dar o passo, tampouco existe um ‘chão’ que sustente o boneco e possibilite sua caminhada.
A animação ocupa, no tempo presente, um momento de apelação do espectador as suas capacidades psicofísicas, no qual ele é indagado a reconhecer sua sensibilidade cinestésica, a reminiscência do ato corporal humano. Na poética da animação, alguns procedimentos elementares ativam essa sensibilidade cinestésica do espectador. Apontamos, aqui, dois desses procedimentos, identificados na obra de Marina Estela Graça:[1]
1)           A verossimilhança da configuração visual
O corpo inanimado, o objeto coisal, é desviado de sua função objetal pela sua proximidade física com o ser. Através da forma, a mente expectativa lhe atribui o status de entidade pertencente ao conjunto dos organismos vivos. No exemplo citado do boneco de luva, a  relação de proporção existente entre a escala do boneco e a escala humana, as coincidências articulatórias entre um e outro e a e existência de similaridades na configuração de tronco e membros configuram a verossimilhança.
2)           A ilusão do movimento aparente
Se a verossimilhança introduz a noção espacial ao relacionar a fisicalidade dos seres, a ilusão do movimento opera pelas configurações que a forma assume ao desenvolver-se contiguamente. Na equação corpo-espaço-tempo, o espectador percebe as alterações ocorridas e concede-lhes determinada coerência lógica, respaldado pelo seu conhecimento prévio dos efeitos produzidos pelo corpo vivo.
Segundo Marina Estela Graça,


Durante a criação, as idéias, livres de quaisquer obstáculos técnicos, percorrem de maneira desordenada um fio condutor permeado por vislumbres remanescentes de imagens alocadas em nossa memória. Idéias que só poderão ser executadas através da animação, que exerce controle absoluto do tempo através da construção individual dos fotogramas[2].

Embora o texto da autora trate do cinema de animação, cabe-nos identificar as similaridades existentes entre o cinema e o teatro que abordam esse gênero, visto que ambas as linguagens subsumem uma categoria representacional que se apóia no discurso produzido pelas coisas não-vivas.



[1] GRAÇA, Marina Estela. Entre o olhar e o gesto, elementos para uma poética da imagem animada. São Paulo: Ed. SENAC, 2006.p. 79-80
[2] Idem.p. 9

5 comentários:

  1. Parabéns ao Pequod e a Caixa do Elefante pelo excelente trabalho que desenvolvem no Brasil pelo Teatro de Animação! Parabéns pela construção do blog e obrigada por divirem suas experiências de trabalho conosco!
    Vida longa ao blog!

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  2. Sobre a dinâmica perceptiva da forma animada podemos evocar aqui a dobradinha Jurkowski/Tillis, num dos poucos momentos em que eles (ao menos aparentemente) concordam. Trata-se do efeito que Jurkowski chama de opalização, e Tillis de visão dupla. O entendimento "em desvio" apontado no texto não retira completamente dessa percepção a condição original do objeto. Opera-se uma refração dobrada a partir da qual se entende, simultaneamente e em crise, a forma animada como coisa e como vida imaginada (não alternadamente, como já defendeu Otakar Zich). Assim, os sentidos do especatdor,como local de encontro e processamento dos estímulos compostos e contraditórios, é constantemente estimulado por um paradoxo em processo. É assaltado mais por um encantamento que por uma ilusão.

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  3. A metonímia na percepção da forma animada me remete a uma passagem do Foucault, quando este identifica um dos princíos da pintura tradicional como sendo o de igualdade por semelhança (parece-se com uma casa no quadro; é uma casa!). A reflexão que eu gostaria de propor é: onde estamos nesse estado de possibilidades uma vez que "ceci n´est pas une pipe"? Em alguns casos de teatro de objetos (estou aqui me pondo ao lado do entendimento de que teatro de objetos faz parte da linguagem da animação) a afirmação não se dá por semelhança de forma, mas por aproximação metafórica de função. Podemos mesmo evocar o conceito de antopomorfismo para a escultura minimalista dada por Georges Didi-Huberman, para buscar em animação uma aproximação do ser que não se opera por meio de semelhanças de forma, mas por similitude de atuação, por qualidade de movimentação, ou por relevância dentro de uma narrativa cênica. O tubo articulado do Mummnchanz, o grande véu em Peer Gynt, as conexões hidráulicas que são os criados em El Avaro. Recursos de sugestividade formal que atuam como provocadores de uma percepção de antropomorfismo.

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  4. E dessas coisas que só o intercâmbio propicia: eu achava que só eu tinha esse livro da Maria Estela Graça!

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  5. Obrigado pelos pertinentes comentarios, Mario!
    Eu concordo que a similitude da atuacao do objeto(na sua ampla acepcao)e determinante para a leitura do vivo. Ontem o Carlos re-lembrou aquele espetaculo do Giramundo, no qual estao em cena duas pedras...somente a transicao da luz sugere qual delas e o locutor...sendo o texto gravado. Nada de presenca de ator na cena...nada de contato com o objeto. Mas a leitura do vivo ocorre pela leitura da pedra como produtora da fala, que e uma caracteristica humana. Adoro este exemplo, pois ele foge completamente da perspectiva do "boneco" tradicional e o conceito de antropomorfia pode ser estendido nao apenas a forma do corpo, mas tambem a forma da organizacao do pensamento, emocoes, etc.

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