terça-feira, 8 de março de 2011

Que nome dar ao que somos?

Comentário sem a intenção de fornecer uma resposta

Em meio a nossa prática pressionada pela necessidade da produção e nossa sofrida e esporádica reflexão acerca dos processos - particulares e globais - com o quais nos deparamos, a terminologia é um problema difícil de ser contornado, embora impossível de ser ignorado. Pode parecer à primeira vista que discorrer sobre emprego de palavras é uma prática pouco eficiente e por demais teorizante, mas a nossa escolha de termos é o que garante o estabelecimento de um vocabulário comum, possibilitando a comunicação entre companhias e profissionais, além de facilitar a definição de conceitos por meio de uma escolha adequada de palavras. Deve-se dizer que a escolha de palavras se reflete obrigatoriamente no entendimento e no emprego dos procedimentos adotados por companhias, artistas, professores e demais interessados em teatro de animação.

No que diz respeito ao processo de formação do profissional de teatro de animação, deparamo-nos hoje em dia em meio a uma quantidade de termos cujas definições e diferenças nos escapam: marionetista, manipulador, animador, ator-manipulador, bonequeiro. O pesquisador norte americano Steve Tillis menciona o termo puppeteer, para evocar aquele tipo de artista dedicado a teatro de bonecos, senhor de todos os aspectos da produção do seu trabalho - dramaturgia, confecção, apresentação e comercializaçã0. Tillis comenta que, dentre as diversas manifestações em teatro de animação de diversas tradições, locais e tempos, essa figura do marionetista tido como artista polivalente nem sempre foi observada. Disso decorre que essa modalidade de artista não se constitui numa imagem tradicional, e que coletivos artísticos organizados a partir de especializações e divisão de tarefas não se constituem num fenômeno legado ao teatro de animação pela modernidade.

Tillis prossegue buscando a partir do inglês, seu idioma, um termo que pudesse dar conta da variedade de competências, ampliada por questões mais recentes, que caracterizam o campo plural e movediço de caracterização do artista dedicado ao teatro de animação. Ao alcançar o termo puppet artist, Tillis não consegue caracterizar o artista envolvido diretamente com a lida da apresentação do boneco, posto que o termo pode ser usado nos diferentes envolvimentos que se pode assumir dentro do processo de constituição da apresentação de animação (dramaturgia, encenação, cenografia, confecção...). Nio entanto, ao procurar um termo que assume a natureza inclusiva e assume a percepção de que a arte do boneco pode ser uma arte coletiva, Tillis amplia a nossa capacidade de entendimento dos modos e processos de formação e constituição do artista dedicado à arte da animação.

Sobre a tradução do termo proposto por Tillis, o que de imediato poderíamos propor seria "artista de teatro de bonecos". No entanto, o modo como se escolhem no Brasil as palavras, indicaria que talvez o termo "artista de animação" fosse mais adequado. Essa escolha é motivada também pelo fato de que Tillis emprega o termo puppet (boneco) para designar todo material passível de ser inserido em um contexto teatral de modo a permitir a impressão de uma vida imaginada. No Brasil estamos percorrendo o caminho de uma divisão terminológica: boneco, objeto, forma animada, figura, silhueta, e assim por diante.

Mas essa já é outra questão...

* TILLIS, Steve. Towards an aesthetics of the puppet: puppetry as a theatrical art. New York: Greenwood Press, 1992.


3 comentários:

  1. Pois é, Mário...esse assunto sempre dá "pano para a manga"... acho bem pertinente tais reflexões terminológicas. Mas, mais do que a definição do termo em si, ou uma efetiva e imediata conclusão, acredito no valor da discussão como processo dialógico, no qual nossos discursos vão se sobrepondo. Com certeza, ao apresentar a proposição de Tillis, tu trazes a tona essa inquisição sobre o sentido das palavras. O sentido, afinal, está inserido no contexto da idéia. Acho que essa divisão terminológica no Brasil denota, realmente, esses diferentes entendimentos que possuimos sobre nosso objeto artístico. À pluralidade de formas possíveis opõe-se sempre nomenclaturas que quase não dão conta. Assim, tenho a impressão que precisamos sempre definir a acepção do termo ao empregá-lo...concordo contigo que a discussão indicada por Tillis amplia nossa capacidade de entendimento dos modos e processos de formação e constituição do artista.

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  2. Olá!
    Tema interessante!
    Acredito ser tão importante quanto estabelecer terminologias, perceber a idiossincrasia do método que as gera. Como no teatro de animação uma nova metodologia é necessária a cada processo do encenador ou grupo que utiliza o teatro de animação como veículo de suas idéias (certas vezes até nova metodologia para cada espetáculo), descobre-se que este é mesmo um terreno instável a ponto de não admitir uma catalogação reutilizável a não ser como inspiração (resultado, aliás, mais do que suficiente para uma obra de arte). É o tal ‘campo plural e movediço’ como você define bem. Existe aí a beleza do caleidoscópio de especificidades que é o teatro de animação.
    Quando converso com bonequeiros, animadores... colegas, as frases geradas são sempre abstratas, poéticas até, e a comunicação é, ainda assim, eficiente. Partilhamos os sentimentos de processos que, mesmo diferentes, têm muitos pontos comuns. Como nomear estes pontos? Será mesmo possível estabelecer aplicabilidades universais para um termo? Principalmente agora em que, de acordo com os Estudos Culturais, o que se associa com o ‘universal’ começa a ser visto com desconfiança. Talvez pela análise de um pesquisador futuro que consiga enxergar de fora, como aconteceu com o teatro de animação tradicional. É possível ser objetivo sobre os processos do Bunraku, também do Mamulengo.
    A palavra é um signo, e como todo signo vai sempre estar aquém daquilo que tenta representar.
    Como diz Balardim o termo é definido no momento em que é empregado, ou seja, a necessidade é a mãe da invenção.
    Nos processos do meu grupo existem termos que se repetem e foram retirados, com um entendimento em grande parte empírico, de conversas esparsas e da pouca literatura disponível, como: ‘ator-animador’ (o que anima), ‘bonequeiro’ (o que anima e fabrica) e ‘manipulação-direta’ (as mão sobre o objeto acionando suas articulações, se houverem); além de outros que constituem praticamente uma linguagem tribal, que não funcionariam como discurso para outros.
    É inspirador acompanhar esta proposta de vocês aqui no blog!
    Bom, parece que concordamos todos sobre a necessidade de mais conversas entre os encenadores o que funcionaria como uma abertura das ‘tribos’; bem utópico não?As utopias funcionam como parâmetro (além do significado usual de ‘inalcançável’).
    Um acordo precisa de muitas palavras. Muito bom poder contar com as suas neste sítio. Obrigado!

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  3. Parece que sim.
    A linguagem na cena do teatro de animação expressa muita coisa que nem o prórpio vocabulário é capaz de abarcar, dizer, pensar... Criar um glossário, particular, específico faz parte da reflexão, do discurso e da necessidade. Creio que já temos muitos nomes e distinções correndo a boca e o ouvido dos brasileiros, porém é distante e utópico um critério definidor, com a coerência entre o sentido teórico e a utilização prática dos termos.

    Os artistas estão criando nomes que os bibliófilos e pesquisadores não escutam. Os escritores estão escrevendo termos que os criadores não usam. Uma conversa difícil.

    As vezes aos gritos, para ouvidos moucos, outras vezes de doutores, para os loucos.

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