quinta-feira, 10 de março de 2011

QUARTO DIA DE ENCONTRO - "Da rodinha à roldana"

A dramaturgia (textual e visual) e as tecnologias utilizadas nos espetáculos

A primeira parte do encontro contou com a apresentação de trechos em vídeo de espetáculos da companhia PeQuod: Marina, Filme Noir, Peer Gynt e A chegada de Lampião no Inferno, que foram apresentados pelo diretor da companhia Miguel Vellinho, e comentadas pelos paticipantes do encontro.

Em seguida o círculo de discussões foi estabelecido para a abordagem do tema do dia, que foi o uso de tecnologias nos trabalhos das companhias Caixa do Elefante e PeQuod, e os reflexos que essas estabelecem nas constituições dramatúrgicas dos espetáculos. Da discussões seguem em tópicos alguns dos principais pontos abordados:

* O emprego de tecnologias digitais (em especial recursos de vídeo) por parte de algumas companhias podem soar artificiais, desnecessárias, acompanhando mais um desejo de uso da ferramenta tecnológica, em vez de usar o recurso a favor de uma vontade discursiva;

* Foi percebida a necessidade de definir o conceito de tecnologia dentro do teatro de animação. A tecnologia não necessariamente versa acerca de um ferramental exterior ao homem, mas também pode ser entendida como sendo o aprimoramento do conhecimento a partir do conjunto dos termos próprios a uma arte;

* A substituição do termo “novas tecnologias” para apenas “tecnologias” em nossa discussão, uma vez que o primeiro termo se relacionava de maneira muito clara com uma família de recursos percebidos a partir da década de 1980, identificada fortemente com tecnologias digitais. Foi mencionado mais adiante que companhias de teatro de bonecos, por sua dinâmica de trabalho artesanal usualmente absorvia com maior facilidade uma dinâmica de investigação e emprego de métodos de construção e alternativas técnicas, em relação aos grupos dedicados ao que chamamos, em contraponto, de teatro de atores;

* O caráter eminentemente artesanal do teatro tende a fazer com que a entrada de novos recursos tecnológicos, tal como o vídeo, ocorram, em muitas vezes, de modo um tanto desajeitado, no sentido em que o emprego de tais tecnologias parece muitas vezes não se dar em um diálogo eficiente com os demais recursos da cena teatral;

* Por fim foi discutido por todos o quanto se corre o perigo de enveredar pela curiosidade e pelo aperfeiçoamento do dispositivo técnico, sem se dar conta de que nosso objetivo deve ser a cena. A ideia de que “uma boa construção cumpre 90% da manipulação” pode ser adequada a algumas modalidades de teatro de bonecos, mas que, via de regra, as melhores soluções são oferecidas pela lida com o teatro. Assim concluímos que o emprego da tecnologia precisa acompanhar uma vontade expressiva, e que o entendimento de tecnologia não pode se resumir ao emprego de dispositivos exteriores ao homem, mas que também se apresenta em modos de atuação e entendimento dos trabalhos da cena. Entendemos que a tecnologia é um conjunto de conhecimentos usados a serviço e aperfeiçoadas pelo homem.

Frases do dia

Esse tipo de tecnologia não foi feita pelo fabricante para nós.” - Carlos Alberto Nunes, sobre o fato de que não há disponível no mercado produtos específicos para as necessidades do teatro de animação.

Teatro de animação tem que ter movimento – físico ou psicológico” - Paulo Balardim

Quando a história é bem contada, há uma sinergia que faz o público embarcar nela” - Miguel Vellinho

Escrever para teatro de animação é, em primeira apreciação, reconhecer a potência expressiva do material” - Mario Piragibe

5 comentários:

  1. Sobre tecnologias...

    Eu disse hoje que em algum momento,que em algum momento - na entrada da energia elétrica nas artes cênicas - alguém deve ter entendido que as lâmpadas caseiras, destinadas até então ao uso doméstico, não davam conta de iluminar e criar expressão artística própria. Em algum momento, alguém parou e pensou de que havia a necessidade de uma lãmpadas específica para a cena, e um suporte apropriado para focar e recortar a luz, tal qual conhecemos hoje. Alguém em algum momento transformou as formas existentes de iluminação elétrica existentes para adequá-las ao Teatro. Penso, portanto, que os encenadores atuais, em sua grande maioria, incorpora o vídeo em suas produções com todas as suas inadequações técnicas para o uso teatral. Inúmeras vezes percebemos a entrada "desajeitada" do vídeo rompendo a sinergia pré-estabelecida pelo evento teatral. Há que se olhar para o projetor de vídeo e readequá-lo. Tal qual ao anônimo "alguém" que um dia entendeu qua a lâmpada caseira não era apropriada para as possibilidades cênicas que sucitavam a chegada da energia elétrica aos palcos de outrora.

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  2. O silêncio como elemento dramatúrgico:

    Ao compor a cena, parto do princípio de que o estado de espera do espectador é o agente catalisador de sua imaginação. Uma ausência na cena, uma imobilidade, um silêncio, provocam um instante reflexivo, ou melhor, contemplativo. Se a cena – uma imagem organizada em seus pormenores pelos seus criadores – consegue evocar idéias, sentimentos, sensações, o público, então, atinge a contemplação desse instante poético.
    Contemplar é observar liberto de pré-conceitos que determinam o que as “coisas” são. Assim, ao vislumbrarmos esse estado contemplativo, libertamos a possibilidade de novas essências nas “coisas”. Isso, para o ilusional de nossa arte, é constituinte: devemos conduzir o público à observação aprofundada do que propomos, para que eles extraiam sentidos e os reorganizem dentro de seu imagético pessoal.
    Em minha concepção de elaboração cênica, a importância do movimento psicológico do público ocupa um lugar de destaque. Acionar esse movimento interno é uma alquimia entre a potência expressiva dos materiais e suas formas relacionadas com os atores e principalmente, a qualidade dessa relação.
    No espetáculo “A tecelã”, apostamos nessa imobilidade e obtivemos um resultado satisfatório. Ao colocarmos dois personagens (uma atriz e um boneco) em dois pontos distantes entre si sobre o palco, direcionando seus olhares um para o outro e imobilizando-os, percebemos a força que essa tensão produz. O olhar do observador percorre o espaço, de um personagem ao outro, pressentindo um movimento, sem perceber que essa sensação de movimento parte de seu próprio corpo.

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  3. Sobre esses dois pensamentos e experiências práticas próprias na Cia Teatro Lumbra, afirmo que o silêncio, a escuridão e a imobilidade são as matérias-primas essenciais da arte da animação que realizamos hoje. Essa dramaturgia latente aguarda em clima de suspensão e tensão a nossa técnica, tecnologia e prudência no uso e intensidade. Falamos de olhos e ouvidos. Macular a treva. Será mais fácil que enganar os ouvidos com um silêncio infinito?

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  4. Lembrei-me de um artigo (muito bom) da Ângela Materno chamado "O olho e a névoa". Em dado momento se lê que drama pode ser entendido como ação, mas que a imobilidade é essencial. Isso me faz pensar o quanto em teatro de animação o movimento, entendido como um componente essencial à linguagem, muitas vezes é apenas um trânsito entre imagens estáticas: imagem - transição - imagem - transição, e assim por diante. É evidente o quanto marionetistas valorizam a composição visual que se estabelece nos momentos de imobilidade do boneco, ou do objeto. Movemo-nos - e movemos - em animação como quem faz sucederem-se figuras imóveis.

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  5. Fico feliz que o colega Fávero tem colaborado substancialmente em nossas discussões...acho que o assunto tecnologia lhe é extremamente pertinente, pois o Lumbra se destaca pela criação própria de tecnologias alternativas. Os aparatos luminotécnico que desenvolvem, tanto como as silhuetas, são frutos de pesquisa experimental consistente. Não existem máquinas para realizar sonhos...precisamos desenvolvê-las com criatividade!

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