Nesse encontro estavam presentes Miguel Vellinho, Liliane Xavier, Marcio Nascimento, Mario Piragibe.
O encontro se iniciou com comentários sobre o texto “A travessia das faces” (La traversée des figures), de Didier Plassard [1].
Foi mencionado que:
- O texto fala do problema que se constitui a tentativa de se estabelecer os limites técnicos e tradicionais para uma dramaturgia para teatro de bonecos;
- Foi argumentado que esse problema também pode ser encontrado no que diz respeito à ampliação das práticas do teatro de animação contemporâneo. Assim, o momento contemporâneo afirma para a arte da animação uma dificuldade em se identificar seus limites em relação ao contexto mais amplo do teatro [2];
- Plassard identifica o ator à mostra como um elemento integrador de linguagens e propositor de formas de narrativas.
A primeira questão levantada disse respeito aos limites entre o que consideramos teatro de bonecos e o contexto mais ampliado da cena de animação. Foi afirmado que alguns dos nossos espetáculos futuros serão seguramente espetáculos de animação, mas não necessariamente espetáculos com bonecos. A trajetória da companhia ensinou que o desejo de animação (que ainda carece de ser mais precisamente definido) suplanta a vontade de lidar com métodos conhecidos de manipulação de bonecos com estruturas convencionais.
A isso se completou a questão de que a companhia hoje persegue em seus integrantes uma maior relação com a arte da interpretação, sendo que o virtuosismo na manipulação das formas deixa de ser o mais importante. A companhia acredita, de fato, que demandas decorrentes da cena e do aperfeiçoamento do ator-artista de animação apontam e permitem que se percebam com maior clareza nossas necessidades e deficiências técnicas.
Ainda assim a companhia se recente de estabelecer para si um espaço-tempo para treinamento de trabalho com os bonecos e materiais usados em suas apresentações.
Em paralelo a essa discussão tratou-se dos aspectos de combinação de competências e linguagens [3] que caracteriza parte da produção do teatro de animação dos nossos tempos, e que é um interesse declarado da companhia PeQuod. A esse respeito algumas noções e percepções foram apresentadas:
- A de que seria da própria natureza das artes da animação, em seus fundamentos ligados às suas tradições diversas, o fato de que esta se processa como uma combinação de competências e territórios artísticos diversos;
- Foi mencionado o quanto a alegada relação entre teatro de bonecos e infância é tão difícil de ser quebrada quanto é recente (início do século XX);
- Falou-se de como a universidade no Brasil ainda não enxerga o teatro de bonecos como possibilidade expressiva e criativa, mas apenas como ferramenta pedagógica;
- Da dificuldade de crítica e imprensa em lidar com a companhia (e a linguagem,): a crítica parece não dominar a matéria com a qual o grupo lida, e a imprensa talvez não permita que o grupo ocupe espaços que possam ir além do pitoresco e segmentado.
- A hierarquização da dramaturgia em certos autores e procedimentos de maneira estanque conduz a preconceitos;
- É da natureza do teatro de animação relacionar-se com as suas matrizes dramatúrgicas de um modo que põe em questão a noção da dramaturgia como algo restrito ao registro literário. Em teatro de animação os materiais, suas texturas, formatos e estruturas de apresentação possuem um forte caráter discursivo e, por que não dizer, dramatúrgico.
Sobre A Tempestade (ou qualquer outra montagem futura): será uma peça com bonecos? Não sabemos. Será, definitivamente, um espetáculo de animação. Para nós (da PeQuod, e falantes de português) o termo boneco evoca uma figura antropomórfica. Tillis define o seu puppet como tudo aquilo que é entendido pela platéia como sendo um objeto, mas que por meio de qualidades de forma, movimento e fala pode conduzi-la a imaginá-lo possuidor de vida autônoma [4].
No Brasil buscamos novos termos (forma animada, a ampliação da noção de teatro de bonecos para teatro de animação). Tillis busca ampliar as possibilidades conceituais do termo boneco.
O teatro de bonecos afirma, com um tipo de eloqüência que escapa a outros formatos de espetáculo teatral, que a idéia de dramaturgia sempre se enquadrou num espaço que extrapola o domínio do literário, mas afirma uma discursividade visual, e de combinação de competências e possibilidades de expressão e figuração artísticas.
O interesse que talvez seja o elemento fundante da linguagem da PeQuod se encontra na maneira como a Cia. ocupa o espaço em seus trabalhos. Superar limites humanos por meio da animação quer dizer, para a PeQuod, numa primeira apreciação, ocupar o máximo de níveis e dinâmicas dentro do espaço de representação e do campo perceptivo do espectador. A decisão de como ocupar o espaço se constitui, na maior parte das vezes, num ponto de partida importante para nossos trabalhos.
O ATOR
Concordamos que a companhia busca para os seus trabalhos pessoas com qualidades de ator, mais do que virtuosos manipuladores (essa visão, é claro, isso possui muita relação com a formação de nossos integrantes e com o panorama teatral à sua volta, embora não se possa negar que essa formação e panorama contribuíram para que a companhia estabelecesse sua ideologia artística)
A Cia. já trabalha com elementos técnico-conceituais próprios que dizem respeito a essa procura por fazer o boneco atuar (e fazer o ator atuar com o boneco), mas precisa organizar esses preceitos para poder melhor orientar seu trabalho interno. O que também vale para se conseguir estabelecer uma comunicação mais eficiente com eventuais novos integrantes – falou-se também em restringir as colaborações. A Cia. trabalha com especialistas em outras áreas de expressão (cantores, instrumentistas), pois busca uma forma de expressão que combine competências e possibilidades expressivas porque ACREDITAMOS QUE ESSE TRÂNSITO ENTRE POSSIBILIDADES EXPRESSIVAS E FIGURATIVAS SEJA UMA MARCA DISTINTIVA DAQUILO QUE CONSIDERAMOS TEATRO DE ANIMAÇÃO.
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[1] Texto traduzido por Mario Piragibe e disponível, em francês, em: Revista PUCK – La marionnette et les autres arts, ano 4, n.8. Charleville-Mézières: Institut International de la Marionnette, 1995. pp.15-9.
[2] Poderíamos dizer, e muita gente diz: teatro de atores, teatro vivente, ou teatro propriamente dito, mas: 1. o termo é preciso? 2. o termo explica o que queremos dizer? 3. o termo deixa claros de fato os limites entre essas linguagens teatrais? e, talvez mais importante: que limites entre linguagens são esses?
[3] Usa-se muito o termo “híbrido” ou “hibridização”. Não acreditamos que esta seja a melhor escolha de palavras, uma vez que a experiência nos mostra que a combinação de linguagens, traços e competências mencionada conduz mais a uma cena plural, na qual o convívio das diferenças se faz notar, do que propriamente a criação de um outro gênero, decorrente de uma mistura de outros.
[4] em: TILLIS, Steve. Towards an aesthetics of the puppet: puppetry as a theatrical art. New York:
Greenwood Press, 1992. p. 27.
Concordamos que a companhia busca para os seus trabalhos pessoas com qualidades de ator, mais do que virtuosos manipuladores (essa visão, é claro, isso possui muita relação com a formação de nossos integrantes e com o panorama teatral à sua volta, embora não se possa negar que essa formação e panorama contribuíram para que a companhia estabelecesse sua ideologia artística)
A Cia. já trabalha com elementos técnico-conceituais próprios que dizem respeito a essa procura por fazer o boneco atuar (e fazer o ator atuar com o boneco), mas precisa organizar esses preceitos para poder melhor orientar seu trabalho interno. O que também vale para se conseguir estabelecer uma comunicação mais eficiente com eventuais novos integrantes – falou-se também em restringir as colaborações. A Cia. trabalha com especialistas em outras áreas de expressão (cantores, instrumentistas), pois busca uma forma de expressão que combine competências e possibilidades expressivas porque ACREDITAMOS QUE ESSE TRÂNSITO ENTRE POSSIBILIDADES EXPRESSIVAS E FIGURATIVAS SEJA UMA MARCA DISTINTIVA DAQUILO QUE CONSIDERAMOS TEATRO DE ANIMAÇÃO.
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[1] Texto traduzido por Mario Piragibe e disponível, em francês, em: Revista PUCK – La marionnette et les autres arts, ano 4, n.8. Charleville-Mézières: Institut International de la Marionnette, 1995. pp.15-9.
[2] Poderíamos dizer, e muita gente diz: teatro de atores, teatro vivente, ou teatro propriamente dito, mas: 1. o termo é preciso? 2. o termo explica o que queremos dizer? 3. o termo deixa claros de fato os limites entre essas linguagens teatrais? e, talvez mais importante: que limites entre linguagens são esses?
[3] Usa-se muito o termo “híbrido” ou “hibridização”. Não acreditamos que esta seja a melhor escolha de palavras, uma vez que a experiência nos mostra que a combinação de linguagens, traços e competências mencionada conduz mais a uma cena plural, na qual o convívio das diferenças se faz notar, do que propriamente a criação de um outro gênero, decorrente de uma mistura de outros.
[4] em: TILLIS, Steve. Towards an aesthetics of the puppet: puppetry as a theatrical art. New York:
Greenwood Press, 1992. p. 27.
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